quinta-feira, 9 de junho de 2011

Crack: a droga que mata os adolescentes e jovens


Era uma vez um menino que aprendeu a se virar nas ruas e era dependente de crack... Não, este não é um bom começo de história, até pelo fato de Roberto (vamos denominá-lo assim) é um personagem real. Encontramos ele próximo à Rodoviária, em Fortaleza, mas poderia ser aqui em Natal ou em qualquer outro lugar. Sentado com as pernas entrecruzadas, cabeça baixa e sorriso maroto, não se nega a conversar.
Nas ruas de praticamente todas as cidades do país, as drogas baratas atrem adolescentes que não conseguem se livrar do vícioNas ruas de praticamente todas as cidades do país, as drogas baratas atrem adolescentes que não conseguem se livrar do vício

 
















Com um olhar bem vivo e jeito de impaciente, Roberto diz que não gosta de ser chamado de vítima ou coitadinho. "Sei me virar na rua", conta, afirmando que fuma em média quinze pedras de crack por dia, ao custo de R$ 5,00 a unidade. Multiplicando , dá R$ 75,00 por dia, se for verdade, em um mês são mais de R$ 2.000,00 só com droga. Como você consegue dinheiro, é bem mais do que ganha um trabalhador assalariado? Questiona o repórter. A resposta é imediata: "peço uns trocados as pessoas para comprar comida, pastoro carros, atendo a pedidos, as pessoas ajudam", diz.

Roberto conheceu o crack através de um amigo. Os pais são separados, faz meses que não os vê. O pai sumiu e a mãe iniciou um novo relacionamento, os conflitos em casa se acentuaram com o padastro e as brigas terminaram por fazer com que fosse para às ruas, onde aprendeu a viver, a dormir olhando as estrelas no céu. Deixou a escola e prefere perambular sozinho pelas ruas, ao invés de viver em pequenos grupos, como muitos dos seus conhecidos.

Com apenas 15 anos, Roberto demonstra uma segurança e uma maturidade que surpreende o repórter. Uma piscadela de vez em quando e uma certa agitação no corpo demonstra o vício. Diz que vai ter que ir, mas peço mais um minuto, quando se estabelece o seguinte dialogo:

-Cara, você é bonito, inteligente, você vai sair desse vicio quando se apaixonar por uma garota.

-Aconteceu isso com um colega. Ele se apaixonou por uma garota, deixou o crack e começou até a trabalhar. Mas comigo é diferente, sou apaixonado pela pedra!

Vejo Roberto sair, dando "tchau" com seu sorriso maroto, e ouço do educadot que me acompanhava a seguinte frase/sentença: "Este não vai sobreviver mais do que um ano", numa alusão ao número de adolescentes e jovens que morrem, diariamente, vítimas do crack e da ausência de políticas públicas que possibilitem um tratamento adequado e a cura dessas pessoas.

Políticas  públicas existem, mas são ineficazes

"Daqui para frente à tendência é que surjam drogas cada vez mais baratas, compulsivas e destruidoras". O alerta é do professor João Dantas Pereira, coordenador da base de pesquisa sobre exclusão social, saúde e cidadania, do departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, lembrando que a questão do uso das drogas é complexa, e precisa ser discutida de forma séria na sociedade. "Na teoria, temos as melhores políticas públicas do mundo. Na prática, não há eficácia", critica.

Nas últimas semanas, o tema das drogas retornou a pauta das discussões com a defesa da descriminalização da maconha feita pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em Natal, ao mesmo tempo em que foi realizada uma "marcha da maconha", centenas de adolescentes e jovens, mobilizados pelo Programa Educacional de Resistência às Drogas - Proerd, foram diplomados, num evento no estádio Machadão, numa demonstração da polêmica que envolve o assunto. Sobre a questão, o professor é enfático: "Sou contra a descriminalização da maconha, mas defendo o debate. Vivemos num país democrático, todos tem o direito de se expressar, agora tenho o direito de alertar sobre os males provocados pelas drogas no organismo", ressalta.

Pesquisas recentes apontam que mais de 50% dos estudantes brasileiros já experimentaram ou consomem drogas. Outra pesquisa mostra a presença do crack  em mais de 90% dos municípios e agora surge o Ox, com efeitos nocivos mais intensos e rápidos que outros entorpecentes. Para João Dantas, não existem drogas pesadas ou leves, existem "drogas", consumidas por uma massa de pessoas em sua maioria alijadas das suas necessidades básicas de educação de qualidade, saúde, trabalho, lazer e outros direitos. "A ausência do governo e das políticas públicas abre espaço para o tráfico", relata, acrescentando: "Precisamos resgatar alguns valores que estão sendo banalizados".

Ao contrário do que se imagina, o professor João Dantas acha que os maiores problemas estão relacionados as drogas lícitas, como é o caso do álcool. Enquanto os usuários de crack não representam 1% da população brasileira, o álcool é consumido  de 12 a 15 % da população. "Até hoje é difícil dizer para as pessoas que o álcool é uma droga", relata, lembrando que o consumo de bebidas faz parte da tradição, incorporada a cultura brasileira, associada ao prazer. De outro lado, o consumo de bebidas alcoólicas está associado a 75 doenças graves,  entre as quais cardíacas, cancerígenas e mentais, alem da ligação com o fenômeno do abuso e exploração sexual. "O álcool ainda é a porta de entrada para outras drogas", afirma.

De uma forma geral, a utilização da droga torna-se um problema com o seu uso contínuo, ou seja, quando provoca uma dependência.  "Entre 13 e 14 anos o fígado não atingiu a maturidade plena, ou seja, o álcool atinge o fígado antes mesmo da maturidade. Os prejuízos causados pelo álcool são irreversíveis , o fígado não recupera mais", diz.

Premiado pela Secretaria Nacional Antidrogas - Senad, pelo trabalho que vem realizando, João Dantas relata que o tráfico está extremamente  bem organizado. "Se aproveitam da ausência do Estado, lidando com a satisfação das necessidades básicas. Para muita gente, enveredar pelo tráfico de drogas é uma forma de sobrevivência, precisamos definir estratégias de prevenção muito claras", afirma, ressaltando que hoje o jovem não tem como substituir a droga. "É preciso criar mecanismos de inclusão em todos os setores da sociedade. As pessoas não estão excluídas, estão incluídas marginalmente.

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