sexta-feira, 13 de julho de 2012

O Fundeb e o financiamento público da educação


mE junho de 2005, o Ministério da Educação encaminhou, ao Congresso Nacional, a proposta de emenda constitucional para a criação do Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação – que, se aprovado, deverá substituir o Fundef, fundo que vigora atualmente, mas que se limita a financiar o Ensino Fundamental. Em setembro, a proposta foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal, e segue agora para a Comissão de Mérito. Para entrar em vigor em 2006, a Proposta de Emenda Constitucional deve ser votada ainda este ano. Com esta nota técnica, o DIEESE procura esclarecer o que são estes fundos de financiamento da educação e apresenta alguns pontos que, mesmo com a nova proposta, ainda permanecem em aberto. Financiamento público da educação.

O financiamento da educação pública é instrumento fundamental para a redução das desigualdades sociais no Brasil. Existe uma forte vinculação entre o financiamento público da educação e a situação socioeconômica do país, na medida em que as principais fontes de recursos para a educação provêm da arrecadação de impostos, que é afetada pelo desempenho da economia. Um importante aspecto da política econômica adotada por sucessivos governos foi a contenção de gastos para possibilitar o equilíbrio das contas públicas e viabilizar o pagamento das dívidas externa e interna. Atualmente, o gasto público brasileiro com educação considerando as três esferas de governo é inferior a 5% do Produto Interno Bruto (PIB), ou cerca de R$ 53,1 bilhões, em valores nominais de 2000. Os governos estaduais são responsáveis por 46% do total do gasto com educação (2,3% do PIB), seguidos pelos municípios, com 29,5% (1,4% PIB) e a União, com 24,4% (1,2% do PIB). Vale lembrar que a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) recomenda, aos países em desenvolvimento, um gasto mínimo de 10% do PIB com Educação. Um dispositivo aprovado pelo Congresso Nacional no Plano Nacional de Educação e vetado no governo Fernando Henrique Cardoso, foi a destinação de ao menos 7% do PIB para a Educação.

Fundef – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental Hoje, o financiamento da educação pública no Brasil é realizado através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef que passou a vigorar a partir de janeiro de 1998. O fundo foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 14/96 e, posteriormente, regulamentado pela Lei n.º 9.424/96. O Fundef trouxe uma mudança na forma de financiamento do ensino público do país, ao subvincular uma parcela dos recursos constitucionalmente destinados à Educação ao nível fundamental. O artigo 212 da Constituição Federal de 1988 determina que estados, Distrito Federal e municípios devem aplicar, no mínimo, 25% de suas receitas de impostos em educação. Com a Emenda Constitucional nº 14/96, 60% desses recursos (o que representa 15% da arrecadação de um conjunto de impostos de estados e municípios) ficaram reservados ao ensino fundamental.

O Fundef é caracterizado como um fundo de natureza contábil, com repasses
automáticos de recursos aos estados e municípios, de acordo com o número de alunos atendidos em cada rede de ensino. É formado, no âmbito de cada Estado, por 15% das seguintes fontes de arrecadação: Fundo de Participação dos Municípios (FPM); Fundo de Participação dos Estados (FPE); Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS); Imposto sobre Produtos Industrializados, proporcional às exportações (IPI-exp); Desoneração de Exportações, de que trata a Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir). O valor mínimo nacional de repasse por aluno é definido através de decreto pelo Presidente da República. O Fundo recebe uma complementação da União nos Estados onde a receita originalmente gerada não atinge o valor mínimo por aluno/ano fixado nacionalmente. Em 2005, o valor mínimo nacional ano por aluno matriculado nas quatro primeiras séries do ensino fundamental foi estipulado em R$ 620,56.

Obs: A partir de 2005, as matrículas em escolas rurais e educação especial têm acréscimo de 2%. Uma das críticas feitas à fixação do valor mínimo anual do Fundo é que, embora seja definida por ato do Presidente da República como determina a lei que regulamenta o fundo, a fixação dos valores não obedece à regra estabelecida que determina que o valor mínimo anual não pode ser “.. inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas...” (parágrafo 1º, artigo 6º, lei 9.424/96). Assim, tal dispositivo implicaria em um valor superior aos atuais valores arbitrados. O descumprimento deste dispositivo tem implicado na definição de um valor mínimo nacional por aluno muito menor do que deveria ser e, dessa forma, a complementação da União ao Fundo tem sido cada vez menor. Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Pública Em setembro de 1999, o núcleo de educação da Bancada do Partido dos Trabalhadores apresentou à Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional – PEC nº. 112/99, que criava o Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica Pública e de Valorização dos Profissionais da Educação. A proposta visava a disponibilização crescente de recursos da União, do Distrito Federal, dos estados e municípios para a educação básica pública através da criação de Fundos Estaduais com a totalidade dos recursos vinculados à educação (previstos no artigo 212 da Constituição Federal) para a totalidade de alunos da educação básica pública.
Previa também a criação de um piso salarial profissional nacional para os educadores públicos e a distribuição dos recursos gerados pelo fundo através da criação dos custos-alunoqualidade diferenciados por modalidade de ensino. Este custo seria definido com base na busca a qualidade de ensino e na disponibilização de recursos adicionais visando à universalização progressiva das matrículas. Do total dos recursos vinculados ao fundo, 80% deveria ser destinado para o pagamento dos professores e funcionários da educação. Esta proposta visava, portanto, ampliar a abrangência de financiamento do fundo
vigente desde 1998, que se referia apenas ao ensino fundamental regular e presencial (Fundef). Vários anos se passaram e nesse percurso diferentes atores sociais ligados à área da educação têm participado de processos de discussões, debatendo suas opiniões e idéias, a partir da referida PEC. Em meados de agosto de 2004, o Ministério da Educação (MEC) colocou em debate
uma minuta de PEC que trata da criação do Fundeb, tendo como princípios norteadores: o acesso universal e gratuito à educação pública básica, em todos os níveis, na faixa etária de 0 a 17 anos; a valorização dos profissionais da educação e a redução das desigualdades, com garantia de investimento per capita que assegurasse a qualidade no ensino. Ao longo dos debates, no ano de 2003 e 2004, houve muitas pressões contrárias à unicidade do fundo, devido aos problemas de custeio das modalidades e níveis de ensino. Todavia, acabou
prevalecendo a proposta do fundo único. A PEC 415/05 - A Proposta do FUNDEB Em junho de 2005, o Ministério da Educação encaminhou ao Congresso Nacional a proposta de emenda constitucional para a criação do Fundeb (PEC 415/05). Pela proposta atual, a partir de 2006 e até 2019, a educação básica – que abrange a educação infantil, ensino fundamental e médio – passaria a ter um fundo de financiamento próprio com vigência de 14
anos. A creche - que corresponde a uma modalidade da educação infantil e abrange as crianças de 0 a 3 anos - não está incluída na proposta. Com a adoção de um mecanismo similar ao do Fundef, o Fundeb atuará no âmbito de
cada estado, com a captação de parte dos recursos dos estados e municípios, redistribuídos através do número de alunos matriculados por nível de ensino em cada rede pública. O valor a ser repassado por aluno será determinado pela União através da criação de valores-mínimos diferenciados para cada etapa e modalidade de ensino da educação básica (pré-escola, 1ª a 4ª séries urbana e rural, 5ª a 8ª séries urbana e rural; ensino médio urbano, rural e profissionalizante, educação de jovens e adultos, educação especial e educação indígena). A União se compromete a complementar o valor anual por aluno, caso este não alcance o mínimo estabelecido. Na proposta, esta complementação será progressiva, a saber: no primeiro ano de R$ 1,9 bilhão; no segundo, de R$ 2,70 bilhões; no terceiro, de R$ 3,5 bilhões e no quarto, de R$ 4,3 bilhões. A inclusão das matrículas da educação básica no fundo se dará de forma diferenciada. O ensino fundamental terá cobertura integral pela totalidade das matrículas verificadas no Censo Escolar no ano anterior. As demais modalidades receberiam os recursos de forma progressiva, na seguinte proporção de matrículas apuradas no Censo do ano anterior: 25%, no primeiro ano; 50%, no segundo ano; 75%, no terceiro ano e 100%, no quarto ano de vigência do fundo. Para financiar o novo fundo, a proposta de emenda constitucional propõe: vinculação de 20% de uma cesta de impostos. A vinculação dos impostos, no entanto, será progressiva, atingindo o percentual de 20% somente no quarto ano. Atualmente, o Fundef é composto por: ICMS, FPM, FPE, IPE-exp e L.C. 87/96 (desoneração das exportações). Além desses impostos, passam a integrar o Fundeb: Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de quaisquer bens ou direitos (ITCMD), Imposto Territorial Rural (ITR) e Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). Ficam de fora as receitas próprias municipais. Os recursos oriundos da arrecadação do salário educação, antes restrito ao ensino fundamental, passa a ter sua destinação ampliada para toda a educação básica. Mas, não está explícito na proposta se a creche será atendida ou não com esses recursos, uma vez que está fora do repasse dos recursos específicos do fundo. A proposta também não altera a aplicação constitucional mínima da União em recursos para educação, que permanece em 18% das receitas resultante de impostos (art 212 CF). A complementação da União ao fundo se dará de forma gradual até atingir R$ 4,3 bilhões, a partir do quarto ano de vigência. Um montante equivalente a, no máximo, 30% da
complementação da União devida ao fundo, virá dos recursos constitucionais vinculados. O valor restante deverá vir da redução de outras despesas de custeio, não especificadas na proposta. Apesar do comprometimento da complementação ao fundo pela União vir estabelecido em valores nominais, e de haver previsão de reajuste anual desses valores, a proposta não regulamenta a forma de correção a ser aplicada. Dos recursos do fundo, no mínimo, 60% serão destinados ao pagamento da remuneração dos profissionais do magistério da educação básica. Esta destinação, na atual proposta, sofreu uma redução significativa, em relação à proposta original do Fundeb, em que se previa a destinação de 80% dos recursos totais do fundo para a remuneração dos profissionais da educação. Também, na proposta original, previa-se um fundo permanente. Conclusão Em que pese ainda se tratar de um Projeto que está sendo apreciado pelo Congresso Nacional, a criação do Fundeb, traz elementos que requerem um melhor aprofundamento e debate, entre os quais destacam-se:
1. A (in) suficiência dos recursos para a garantia de uma educação básica de qualidade;
2. A não inclusão dos impostos próprios municipais;
3. Assegurar que os valores da complementação da União sejam definidos em valores percentuais e não em valores nominais;
4. A necessidade de disponibilização por parte de MEC de estudos de impacto financeiro de implantação do fundo e de valores per capita;
5. Aperfeiçoar o detalhamento dos critérios de definição dos valores mínimos aluno-ano por etapas e modalidades;
6. A exclusão do atendimento à creche;
7. A garantia do cumprimento pelo governo federal do valor mínimo nacional por aluno estipulado em lei (o piso atual, estabelecido pelo Fundef, não é cumprido);
8. Definição do Piso Nacional Salarial Profissional, uma reivindicação antiga dos profissionais da educação. (a PEC 216/03, que propõe a criação de um piso salarial para a educação, em tramitação no Congresso Nacional, foi recentemente apensada a PEC do Fundeb). Por fim, o fundo deverá ser regulamentado através de lei. Uma primeira versão de anteprojeto da lei que regulamenta o Fundeb encontra-se disponível para consulta no sítio do MEC – Ministério da Educação: (www.mec.gov.br) 


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