A Procuradoria Geral do Município vai pedir que o Tribunal de Justiça defina a partir de quando a decisão de inconstitucionalidade da Lei 6.108/2010 terá eficácia. Essa lei regulamenta a qualificação das Organizações Sociais e sua relação com o poder público, e permitiu os contratos de gestão para três consultórios de Atendimento Médico Especializado (AMEs) e para a UPA Dr. Ruy Pereira dos Santos, em Pajuçara, que somam mais de R$ 38 milhões/ano.

UPA de Pajuçara é administrada através do contrato com uma OS
Atualmente, é a Associação Marca que detém esses quatro contratos. Segundo o procurador-geral do município, Bruno Macedo, a PGM ingressará com embargos de declaração, logo após a publicação do Acórdão no Diário da Justiça. Serão dois os pedidos: a modulação da decisão e a preservação dos contratos vigentes. Isso porque a Prefeitura de Natal não teria condições de assumir, de imediato, a gestão das unidades.
“O efeito natural e imediato da decisão é anular a lei em sua origem. Sem elas, os contratos teriam que ser todos anulados e o município assumir a gestão, mas não tem a mínima condição do executivo municipal encampar isso de uma hora pra outra. Por isso, vamos pedir que o Tribunal dê um prazo para a eficácia da lei e que garanta os contratos em vigor”, explicou o procurador.
Por unanimidade, o Pleno de desembargadores do Tribunal de Justiça julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), impetrada em junho de 2010 pelo Procuradoria-Geral de Justiça, do Ministério Público Estadual. O julgamento foi na manhã da quarta-feira, 25, mas o Acórdão só deve ser publicado na próxima quinta-feira, após leitura no Pleno do TJ/RN.
O MPE questionou três aspectos: a ausência de controle social e de participação do poder público municipal no Conselho de Administração das OS, bem como o prazo, de até quatro anos, para que a empresa contratada pelo município, comprove estar qualificada como OS.
“Imagine você tem um contrato agora e dá quatro anos para a OS comprovar que ela tem a qualificação exigida. Essa é uma das questões mais estranhas. A própria legislação federal não permite isso”, afirmou o procurador-geral de Justiça, Manoel Onofre Neto. Segundo ele são vários os elementos contestados pelo MPE que apontam irregularidades na lei.
Esses elementos, disse ele, tornam a lei incoerente em relação à legislação federal correspondente e à própria Constituição Federal. “Se a lei federal, está sendo questionada, imagine a nossa que inova pra pior, retirando o controle social, a presença do poder público e posterga a qualificação das OS”.
Ele disse que as OS podem perfeitamente ser parceiras do poder público, desde que seja respeitada a legislação e os princípios da administração pública, dentro de uma lógica de legalidade. A decisão, segundo o procurador, não precisava esperar pra ver se a lei federal era constitucional ou não.
A lei federal que regulamenta as OSs também está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal. Dois ministros Aires Brito e Luís Fulks votaram contra a ADI, mas a votação foi paralisada no último dia 19 de maio por um pedido de vistas do ministro Marco Aurélio.
Atualmente, a Prefeitura de Natal mantém contratos de R$ 11.849.703,00, para gestão da UPA Pajuçara e R$ 26.427.479,79, para gestão das AMEs de Nova Natal, Planalto e Brasília Teimosa.
Maior dificuldade seria de pessoal e logística
A Prefeitura de Natal não tem, de imediato, segundo a secretária municipal de Saúde, Maria do Pérpetuo Nogueira, como assumir a gestão das três AMEs e da UPA Pajuçara. A maior dificuldade, segundo ela, seria a contratação de pessoal e a manutenção da logística para funcionamento do do serviço. “Em curto prazo, não teríamos condições de assumir. O serviço ficaria fechado”, afirmou.
Ela acredita, no entanto, que seria possível assumir a gestão a médio prazo. “Se houver flexibilidade nos prazos, temos condições de assumir o serviço, a exemplo do que fizemos no combate à dengue”, disse ela. No caso da dengue, assumir a gestão foi mais fácil por causa do estado de emergência.
Nas AMEs e na UPA, explicou, a SMS teria dificuldade de contratar profissionais, principalmente para as equipes de apoio. “O médico é mais fácil contratar pela cooperativa, mas as equipes de apoio teriam que ser por concurso público e isso demanda tempo”, disse. Segundo ele, outro entrave é a questão de equipamentos e laboratórios.
“Parte deles foram adquiridos com recursos do contrato, mas alguns itens foram em comodato, então teríamos que montar muita coisa como raio-x e isso leva tempo”, disse ela. O procurador geral de Justiça, Manoel Onofre Neto, deixou claro que o Ministério Público não é contra as estratégias de cooperação, mas que o município precisa se estruturar e se organizar para assumir a gestão desses serviços de saúde.
“A gente compreende perfeitamente que é necessário um prazo para implementação dessa decisão, que não é algo simples, até porque deve ser feito com toda cautela para não gerar prejuízo”, ponderou Onofre Neto. Além dos quatro contratos em vigor, a SMS tem um quinto firmado com a Associação Marca, em março deste ano, para gestão de mais duas AMEs, a de Felipe Camarão e Igapó. Esta última, segundo a secretária é a que está mais adiantada e deve ser inaugurada até 20 de junho. Ela não tem informação precisa se chegou a ser repassado algum valor referente a este contrato.
“Não estava à frente do processo na ocasião, vamos levantar isso”, afirmou. Outras duas UPAs, a de Cidade da Esperança e Planalto, devem ser implantadas pelo município. A da Cidade da Esperança ainda este semestre. A decisão, segundo o procurador Bruno Macedo, surpreendeu tendo em vista que ainda está em curso ação no STF. “Era natural que o TJ aguardasse a decisão do Supremo”.
Ele disse que a lei municipal privilegiou o controle social, mas não incluiu a participação do poder público na gestão das OSs. O município tem dez dias, a partir da ciência oficial da decisão, para encaminhar os embargos de declaração e até 30 dias para recorrer ao STF ou STJ. Os contratos das AMEs vencem em outubro e da UPA em novembro.
Bate-papo
Qual a posição do Conselho em relação a esse modelo de gestão nas mãos das OSs?
Somos contra. O serviço público precisa ser gerido pelo poder público. A lei 8.080, do SUS, preconiza isso, deixando claro que a gestão pública é dever do estado e que a contratação com empresas privadas deve ser excepcional, em caráter complementar. Exatamente o contrário do que não acontece em Natal. Hoje, 95% dos recursos da saúde estão destinados às contratações com as OSs para gestão das UPAs e das AMEs e às compras emergenciais com dispensa de licitação. Apenas 5% está direcionado para a atenção básica.
Como o Conselho vê essa decisão do TJ/RN?
O Conselho comemora. Mas é preciso que não fique só na declaração de inconstitucionalidade. É necessário apurar tudo o que foi feito durante a vigência desses contratos, do ponto de vista financeiro, com transparência para que não haja prejuízo ao poder público.
O Conselho analisou algum dos contratos com OSs?
Nenhum desses contratos foi encaminhado ao Conselho para apreciação. Está determinado por lei que cabe ao Conselho avaliar e dar seu parecer, antes da celebração dos contratos, mas nunca chegamos a vê-los.
O que uma OS pode fazer que o município não possa?
Não há nada que elas façam que a gestão pública não pudesse fazer. E, com certeza, faria melhor, de uma forma transparente e integrada a com a rede. Hoje, as AMEs trabalham de forma totalmente isolada da rede, o que é inconcebível.
O Conselho concorda que o município teria dificuldade de contratar pessoal?
Temos uma visão diferente. O município apostou num modelo, que terceirizou toda a mão de obra e que é muito mais caro aos cofres públicos. Seria muito mais eficiente, do ponto de vista financeiro, a contratação por concurso público.