domingo, 21 de agosto de 2011

"O Brasil é uma vítima da política"

Jean é o único gay assumido do congresso e diz lidar bem com o preconceito

Jean é o único gay assumido do congresso e diz lidar bem com o preconceito


Do lado esquerdo, na lapela do blazer preto, reluzia o brasão dourado com uma imagem em alto relevo do Palácio do Planalto. Do lado direito, as cores do arco-íris, símbolo da luta gay, unidas ao verde e amarelo, quebravam o tom sóbrio do figurino escolhido. Do anonimato ao estrelato, foram apenas três meses. Hoje, porém, ele quer ser reconhecido pelos anos de militância na defesa dos direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros e, não somente, pelos dias em que passou confinado na casa do Big Brother Brasil, em 2005. Casa na qual ele se fez reconhecido, afirmou ser gay nem nenhum preconceito embutido, defendeu a causa e conquistou o público brasileiro.
 Do reality show, saiu vitorioso. Embolsou R$ 1 milhão. De lá para cá foi capa da revista masculina G Magazine, quando foi lançada sua coluna mensal. Ele apenas serviu de modelo, não pousou nu. Além disso, lançou três livros. Por um deles - Aflitos, crônicas e contos - recebeu o Prêmio Copene de Literatura.

 Porém, antes de chegar ao reality, ele era professor de Cultura Brasileira e Teoria da Comunicação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e da Universidade Veiga de Almeida, ambas no Rio de Janeiro. Em 2004, em Salvador, foi responsável pela implantação do curso de pós-graduação em Jornalismo e Direitos Humanos, da Universidade Jorge Amado (UniJorge).  Apesar de ter nascido em Alagoinhas, na Bahia, nas eleições de 2010, lançou-se candidato a deputado federal pelo Rio de Janeiro após filiar-se ao Partido Socialismo e Liberdade (Psol).  Com a significativa votação do seu colega de partido, Chico Alencar, e tendo sido o segundo mais votado dentro da legenda, conseguiu garantir uma cadeira na Câmara dos Deputados, em Brasília. Fiel escudeiro da causa gay, defensor das minorias e do casamento civil aos homossexuais, ele afirma que a mudança do Brasil está na política. E para falar sobre preconceito, consciência e futuro: Jean Wyllys.

O que você levou do Big Brother Brasil para a Câmara dos Deputados? Há alguma similaridade entre as duas casas?

 Olha, primeiro eu não posso dar essa resposta sem ressaltar a obsessão que a imprensa tem com essa história do Big Brother. Essa é uma obsessão que eu acho que a imprensa tem que resolver na terapia. Porque eu não posso crer que um evento que aconteceu há seis, sete anos tenha mais relevância do que o meu trabalho. E eu não posso crer que esse evento específico, que durou três meses, seja mais importante do que uma vida inteira de formação e de militância. Eu levei muito pouca coisa. O Big Brother é uma gincana pública. O bacana do Big Brother pra mim foi que eu tinha o meu o objeto do doutorado. Eu entrei lá para fazer uma etnografia. Eu precisei me inscrever no  programa e para minha surpresa eu fui aceito, demorei e ganhei. Do ponto de vista da minha atividade como militante, como ativista dos direitos humanos, a única coisa que eu posso relacionar é o fato da minha presença no programa ter criado uma referência positiva homossexualidade na grande mídia. E ter, de alguma maneira, estimulado a família brasileira a discutir o tema na medida em que eu era um personagem querido e era gay assumido.

Como surgiu o interesse pela política parlamentar?

 Quando eu decidi me filiar, comparando o programa do PT e do PSol e a própria realidade do partido na cidade em que eu estava e continuo morando, o Rio de Janeiro, eu vi que tinha mais afinidade ideológica e programática com o PSol. Quando eu me filiei ao partido, Heloísa Helena que hoje é vereadora por Maceió, me chamou para ser candidato. A princípio eu recusei. Mas os argumentos dela foram muito convincentes de que a política precisa de renovação, de sangue novo, de gente comprometida com causas que não são tratadas a contento no Congresso Nacional.

  Como foi sua recepção dentro da Câmara dos Deputados, que é um ambiente conservador, para o qual você levou um novo fôlego?

 Além de mim existem outros deputados que estão no primeiro mandato. Houve uma renovação grande na Câmara. Essa renovação de pessoas talvez não signifique uma renovação política,  com novas perspectivas. O Congresso continua conservador. Mas a recepção comigo foi positiva. Em geral, os deputados me tratam super bem. Se eles tem alguma resistência, é às escondidas. Os que falam de mim, os que não gostam de mim, são aqueles abertamente conservadores, homofóbicos. Mas entre 513 deputados, eles não são maioria. O exercício da política é a convivência dos contrários. Os que não gostam de mim, seja pela bandeira que eu defendo, por fugir de esteriótipos e fazer uma afirmação positiva da homossexualidade, esses eu não posso fazer nada. Se eles não gostam, não gostam. Fazer o quê?

 Bolsonaro é um deles?

 O Bolsonaro é o menos significante deles. Ele é o mais insignificante. É o que menos me incomoda. Ele é uma caricatura, é um deputado caricato. Os temas LGBT´s não são para serem tratados no esquema da caricatura. Ele tomou a causa anti-LGBT e trata de forma caricata nas grandes mídias. Eu trato a causa LGBT com seriedade, inserindo na pauta dos direitos humanos. Existe uma discussão internacional a respeito deste tema. É um tema para ser tratado com seriedade e não da forma que o Bolsonaro trata hoje em dia.

 O que mais lhe surpreendeu dentro da Câmara dos Deputados?

 O que mais me surpreendeu é que a Câmara é feita de gente que trabalha. Seja de esquerda ou direita, as pessoas trabalham muito ali dentro. O que mais me surpreendeu foi que o imaginário da população em relação aos deputados é equivocado. Não é verdade que a maioria dos deputados que estão ali não trabalham. Não é verdade que a maioria está ali para enriquecer ilicitamente. Quem faz isso é uma minoria. Minoria esta que tem muito mais espaço e dá a entender que é a maioria. Então esta foi minha grande surpresa. De resto, nada me surpreendeu.

 Como parlamentar defensor de causas em favor das minorias, de gays é lésbicas, qual é hoje o seu maior desafio dentro da Câmara?

 O meu maior desafio é a aprovar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que altera o artigo 226 da Constituição no sentido de garantir o casamento civil aos homossexuais. O casamento civil entre homossexuais já foi aprovado na Argentina, Portugal, Espanha, África do Sul, Nova Iorque e agora no Chile. Ou seja, a via de acesso aos direitos da cidadania plena dos homossexuais é através do casamento civil. Então meu grande desafio é conseguir fazer com que o Brasil entre nesse rol de países que impediram a discriminação no acesso ao direito e garantindo o casamento civil aos homossexuais.

Como o senhor analisa a abordagem de temas homossexuais em novelas e programas de televisão?

Nos últimos anos, a televisão tem se aberto bastante pra temática LGBT de uma maneira positiva. Isso não é uma concessão que a TV está fazendo. Ela não faz isso porque quer e gosta. Está fazendo pela pressão política do LGBT e porque os homossexuais foram constituídos como nicho de mercado, como consumidor. Então a TV se abriu para esta pauta de maneira positiva por tudo isso e não porque ela é boazinha. De uma maneira geral, as TVs tem tratado de uma maneira positiva, principalmente as telenovelas. Os programas de humor continuam um horror em relação à homossexualidade tratando como uma caricatura, com personagens que só servem ao riso, ao deboche, com personagens que são humilhados nas piadas. Infelizmente, a TV é bastante ambivalente neste sentido. Se, por um lado, ela colabora positivamente, representa positivamente, por outro não. Continua reproduzindo velhos esteriótipos e preconceitos.

Do seu ponto de vista, por onde essa quebra de paradigmas, de preconceitos poderia começar?

Através da organização política. Se não fosse a organização política dos homossexuais e seu trabalho árduo,   diuturno para despertar as consciências da grande comunidade LGBT, que é preciso sim sentir orgulho de ser gay, é preciso ter uma relação positiva com sua sexualidade, sair do armário, se afirmar com orgulho. O caminho é essa organização política para promover isso daí. É desta maneira que a gente pode pressionar as TVs, cobrar delas abertura de espaço para representações positivas da homossexualidade. A gente pressiona o jornalismo para cobrir os crimes homofóbicos, a gente pode contestar os programas de humor e, dessa maneira, a gente vai mudando uma mentalidade. O mais importante é o efeito a longo prazo. É desconstruir uma mentalidade homofóbica. É dessa maneira que alguma coisa pode mudar e a gente pode se tornar uma sociedade melhor.

A política pode salvar o Brasil ou ainda somos um país vítima dos políticos que governaram no passado e alguns que governam até hoje?

 O Brasil é vítima da política. Mas, no fundo, o Brasil é vítima de si mesmo. Os políticos não caem de pára-quedas no Congresso Nacional, nem nos Governos, nas Câmaras de Vereadores, nem nas Assembleias Legislativas. Os políticos são votados, eleitos pelo povo. O povo tem acesso, numa certa medida, à informação. Por outro lado, o povo é alijado de direitos. Por muito tempo, o Estado tem um débito enorme em relação ao povo. No que diz respeito à justiça social, distribuição de renda, educação de qualidade. Então esse povo que é alijado de direitos está tão vulnerável que vende facilmente seu voto a quem chega e dá um preço. Ele acha que a política é tão ineficaz, não vê os efeitos da política claros na vida dele. Somente vê os escândalos de corrupção serem noticiados pelos jornais. Tem-se a impressão que ninguém presta e ninguém faz política para o bem do cidadão. É uma visão equivocada, é um erro. Se há uma maneira do Brasil se salvar, ser melhor, é através da política. Seja ela através da política institucional ou através das políticas dos movimentos sociais.

O que esperar do Jean Wyllys como deputado federal?

Que eu cumpra bem essa função. Eu sou alvo de patrulha o tempo inteiro. Eu acabo legislando pelo Brasil inteiro. Enquanto as pessoas me patrulham demais, elas deixam de fiscalizar as pessoas que mereceram o voto delas.  Neste sentido, o povo do Rio Grande do Norte está de parabéns. Pois entendeu que a prefeita Micarla de Sousa não vem cumprindo bem seu papel de executiva municipal. O povo foi lá e cobrou. Eu gostaria que esse entendimento se estendesse pro governador, pro presidente.

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